Ídolos

segunda-feira, novembro 19


E quando seus ídolos caem? Você vê que eles são falíveis e se pergunta: “Em quem vou me espelhar agora?”.
         Com essa frase, terminei meu livro. Não era uma obra prima, mas eu estou na alta com a crítica e o pedido da editora me interessou um livro inteiro sobre um romance suburbano no século XXI, nada demais.
         Bom, só enviar o e-mail com o último capítulo e posso ir pra praia, o bom da minha editora atual é que eles me dão esse apartamento sempre que digo “estou com um bloqueio criativo”, pronto, tenho um apartamento de frente à praia e pelo tempo que precisar.

         Lá está ela, a minha maior inspiração pra essa obra, uma morena de medidas consideráveis, corpo escultural, pele bronzeada e aquela marquinha que dá “um que” de sensualidade a mais. Confesso que o que mais me atrai nela é aquela tatuagem de dragão na perna direita que parte da coxa e se estende até a panturrilha. Uma voz doce e suave, tá, isso me conquista também. E a droga do olhar penetrante daqueles olhos verdes cristalinos.
         Melissa foi inspirada na Caroline, sim, de fato é ela no meu livro, só que bem menos “sensual”.

         Como conheci Caroline? Bem, sabe quando você está de saco cheio e decide ir pra algum lugar longe? Fiz isso assim que cheguei ao Rio de Janeiro, fui pr’um bar na Gávea e decidi esquecer o trabalho, apenas me divertir.
         Olhei para as mesas de sinuca, e lá estava a morena de corpo escultural preparando pra dar uma tacada, e com uma parte peculiar de seu corpo virada na minha direção e de mais uns cinco caras. Fiquei admirando-a, tirei um bloco de anotações – que levo comigo onde for – do bolso do meu blazer e anotei umas ideias de personagens.

Como eu ia usá-la de molde pra uma personagem, decidi conversar com ela, afinal, sempre é bom ter contatos e permissões de uso de imagens. Caminhei pro balcão do bar, pedi um shot de tequila e virei assim que o garçom serviu.
         - É, com licença, a senhorita se importaria se eu jogasse também?
         - Até que não, mas... Minha mãe sempre disse pra não aceitar a companhia de estranhos.
- O nome é Duarte, sou escritor, e a senhorita?
-  Tentando uma aproximação?
-  Não. Só estou deixando de ser um estranho, o que é comum em bares.
- Caroline. Sou médica cardiologista. Pelo sotaque dá pra perceber que você não é daqui, paulista?
- Sim, com muito orgulho. Agora, já que nos conhecemos, eu estou escrevendo um livro e quero usá-la de molde para uma personagem, que me diz?
- Nossa... Tão pouco tempo de conversa e já quer que eu faça parte de seu livro? É sempre assim?
- Só em casos especiais.

Ficamos algum tempo naquele papo, confesso que não sou bom em puxar assunto com “estranhos”, mas até que foi. A conversa fluiu como eu esperava que fosse. Trocamos telefones, passei um mês saindo com ela, ela me mostrando a cidade e eu escrevendo.
         O processo todo de escrita do livro, levou em torno de três meses, sempre que estou perto de concluir o livro, me isolo. Logo, passei dois meses saindo com Caroline, conversando, aprendendo sobre a cidade (já que decidi que o romance iria acontecer ali, no Rio de Janeiro), conhecendo-a mais.

Eu estava próximo aos últimos capítulos, avisei-a que iria me isolar. Ela não entendeu bem. Considerou que eu iria embora, na realidade.
         Caroline havia me contado sobre o pai dela, ela sempre se espelhou naquele homem pra entender o que era força de trabalho, vontade de viver, cuidar da família, não ser corrompido.  O pai dela era político, mas era um dos poucos que realmente são honestos. Isso era importante para a construção da Melissa.

Caroline, contando-me sobre o pai por telefone – tive que ligar, pois senti que Melissa estava superficial demais no capítulo que era dedicado apenas a sua história – disse que uma segunda-feira de novembro, o pai simplesmente saiu com uma arma do escritório dele, em sua casa, e com uma maleta. Ele abriu a maleta, e havia várias notas de cem reais, ela disse:
- Nunca tinha visto tanto dinheiro junto, e nem meu pai naquele estado, eu devia ter 17 anos, ele apontou a arma pra mim e disse “Filha, nunca, nunca se corrompa. Faça o que seu pai não fez, aja de forma certa”. Ele pegou a maleta, fechou-a e sai pela porta... Até hoje espero que ele volte.