GAMX - II

domingo, novembro 25


Era novembro, mês chuvoso naquela fatídica cidade. Não sei o porquê, mas, aquele era o mês mais chuvoso daquela capital... Esse era mais um daqueles tours que o secretário de segurança gostava de fazer e o governador acompanhava. Nunca entendi aqueles dois homens. Óperas, museus, cinemas, teatros, tudo o que era dito cultural era visitado por aqueles dois homens, sempre juntos.
         Hoje nós iremos a uma ópera. Eu gosto de óperas.

         O céu do fim da tarde era alaranjado, e antecipado, 17h55min e já começara a anoitecer. Sou muito específico em questão de tempo, culpa do secretário. Tenho uma hora pra me arrumar e encontrar com o secretário e o governador na prefeitura do município deve haver tempo para que eu tome um gole de uísque. O “Black tie” que vou usar essa noite está disposto sobre a cama do hotel ao meu lado.
         Fico em pé, para melhor poder vê-lo, o céu crepuscular deu lugar a um céu tônico negro. Apenas há a Lua cheia nele. Nada mais, nem mesmo as estrelas que tanto dão sorte estão lá. Só há a Lua.
         O vapor da água quente do chuveiro já invade todo o quarto do hotel e cria uma densa nuvem no banheiro. O meu copo de uísque sobre a pia barra penteadeira estala por causa da sua temperatura baixa sendo aquecido.
         Massageio o meu couro cabeludo com a ponta dos dedos ensaboados por causa do xampu. Há uma breve pausa nesse movimento, paro pra pensar no que vai acontecer essa noite. O que será?

         Vejo rostos em urros de pânico, homens armados gritando, o governador no chão e uma poça de sangue ao seu redor. O secretario em meio a um incêndio no palco. Os tenores fuzilados, e a orquestra queimando.

         Sento-me na cama do hotel, amarro os cadarços dos sapatos de forma que façam laços idênticos e perfeitos. Do meu lado está o meu copo. – O celular, um Iphone dado pelo governo do Estado, toca. É o assessor especial do secretário, perguntando-me onde estou. Um BlackBerry toca relutantemente para ser ouvido, atendo a ligação.
                   “Faremos hoje, como o plano.” – Só foi isso que a voz do outro lado da linha disse.

         Pego a maleta que está ao lado da porta do quarto, passo para o corredor e sigo em direção ao hall dos elevadores. O BlackBerry toca novamente.
                  “O que precisa está no último elevador do hall, pegue-o e desça ao Subsolo 2” – Era uma voz diferente da primeira, mas novamente, disse apenas uma curta frase e desligou.
        
         Havia uma maleta no elevador, peguei-a e fui ao SS2.

         Uma multidão na frente do cordão de isolamento policial aguardava a chegada de algumas celebridades que iriam acompanhar a primeira ópera a ser apresentada no Theatro Municipal após a restauração completa. O carro do governador estava atrás do meu, estamos a cerca de 300 metros da primeira barreira policial. Sirenes por todo o lado, os batedores que nos escoltam me mandam acelerar e passar com rapidez pela primeira barreira.
        
         Dentro do banheiro do Theatro, o BlackBerry toca novamente.
                   “Conseguiu senhor?”
                   “Está tudo pronto, Tom. Inicie.”
         Abro a primeira maleta que havia trago comigo, dentro há apenas alguns papéis – contratos de equipes de seguranças e afins – e um fundo falso. Removo-o e há uma máscara junto de duas pistolas.
         Uma máscara estilizada de Guy Fawkes. Aquela mesma máscara usada em “V for Vendetta” e duas pistolas israelitas “Desert Eagle”. A segunda maleta, ah! Essa sim! Um fuzil de assalto “SCAR-L” personalizado, e 10 pentes de 30 tiros cada um. 300 tiros de fuzil e mais 140 tiros de calibre .50AE (Já que cada DE tem 7 tiros no pente, com 20 pentes, são 140 tiros).

         Coloco a máscara. Um par de luvas. Coloco as duas pistolas sob os coldres na parte interna do meu braço ao lado do meu torço. Guardo todos os pentes num cinto que havia junto da máscara dentro da maleta, o visto também.
         Já ouço os policiais no corredor correndo para algum canto. Passos descompassados para todos os cantos. De repente, está instituído o caos.

         O BlackBerry volta a tocar.
                   “Está tudo pronto, estamos na porta.” – A mesma voz da primeira ligação.

         Saio do banheiro, três homens com máscaras iguais a minha estão aqui, parados. Armados assim como eu. Dirigimos-nos para a sala de concertos em formação militar. Quatro policiais mortos. Cinco. Seis. Sete. Oito. Entramos.
        
         O governador em minha frente, um tiro de fuzil na sua testa. Do camarote vejo o resto dos mercenários mascarados colocando fogo no Theatro. E tudo se remete a visão do chuveiro.

         É esse o primeiro recado que temos para dar. Em breve, muito em breve...

Ídolos

segunda-feira, novembro 19


E quando seus ídolos caem? Você vê que eles são falíveis e se pergunta: “Em quem vou me espelhar agora?”.
         Com essa frase, terminei meu livro. Não era uma obra prima, mas eu estou na alta com a crítica e o pedido da editora me interessou um livro inteiro sobre um romance suburbano no século XXI, nada demais.
         Bom, só enviar o e-mail com o último capítulo e posso ir pra praia, o bom da minha editora atual é que eles me dão esse apartamento sempre que digo “estou com um bloqueio criativo”, pronto, tenho um apartamento de frente à praia e pelo tempo que precisar.

         Lá está ela, a minha maior inspiração pra essa obra, uma morena de medidas consideráveis, corpo escultural, pele bronzeada e aquela marquinha que dá “um que” de sensualidade a mais. Confesso que o que mais me atrai nela é aquela tatuagem de dragão na perna direita que parte da coxa e se estende até a panturrilha. Uma voz doce e suave, tá, isso me conquista também. E a droga do olhar penetrante daqueles olhos verdes cristalinos.
         Melissa foi inspirada na Caroline, sim, de fato é ela no meu livro, só que bem menos “sensual”.

         Como conheci Caroline? Bem, sabe quando você está de saco cheio e decide ir pra algum lugar longe? Fiz isso assim que cheguei ao Rio de Janeiro, fui pr’um bar na Gávea e decidi esquecer o trabalho, apenas me divertir.
         Olhei para as mesas de sinuca, e lá estava a morena de corpo escultural preparando pra dar uma tacada, e com uma parte peculiar de seu corpo virada na minha direção e de mais uns cinco caras. Fiquei admirando-a, tirei um bloco de anotações – que levo comigo onde for – do bolso do meu blazer e anotei umas ideias de personagens.

Como eu ia usá-la de molde pra uma personagem, decidi conversar com ela, afinal, sempre é bom ter contatos e permissões de uso de imagens. Caminhei pro balcão do bar, pedi um shot de tequila e virei assim que o garçom serviu.
         - É, com licença, a senhorita se importaria se eu jogasse também?
         - Até que não, mas... Minha mãe sempre disse pra não aceitar a companhia de estranhos.
- O nome é Duarte, sou escritor, e a senhorita?
-  Tentando uma aproximação?
-  Não. Só estou deixando de ser um estranho, o que é comum em bares.
- Caroline. Sou médica cardiologista. Pelo sotaque dá pra perceber que você não é daqui, paulista?
- Sim, com muito orgulho. Agora, já que nos conhecemos, eu estou escrevendo um livro e quero usá-la de molde para uma personagem, que me diz?
- Nossa... Tão pouco tempo de conversa e já quer que eu faça parte de seu livro? É sempre assim?
- Só em casos especiais.

Ficamos algum tempo naquele papo, confesso que não sou bom em puxar assunto com “estranhos”, mas até que foi. A conversa fluiu como eu esperava que fosse. Trocamos telefones, passei um mês saindo com ela, ela me mostrando a cidade e eu escrevendo.
         O processo todo de escrita do livro, levou em torno de três meses, sempre que estou perto de concluir o livro, me isolo. Logo, passei dois meses saindo com Caroline, conversando, aprendendo sobre a cidade (já que decidi que o romance iria acontecer ali, no Rio de Janeiro), conhecendo-a mais.

Eu estava próximo aos últimos capítulos, avisei-a que iria me isolar. Ela não entendeu bem. Considerou que eu iria embora, na realidade.
         Caroline havia me contado sobre o pai dela, ela sempre se espelhou naquele homem pra entender o que era força de trabalho, vontade de viver, cuidar da família, não ser corrompido.  O pai dela era político, mas era um dos poucos que realmente são honestos. Isso era importante para a construção da Melissa.

Caroline, contando-me sobre o pai por telefone – tive que ligar, pois senti que Melissa estava superficial demais no capítulo que era dedicado apenas a sua história – disse que uma segunda-feira de novembro, o pai simplesmente saiu com uma arma do escritório dele, em sua casa, e com uma maleta. Ele abriu a maleta, e havia várias notas de cem reais, ela disse:
- Nunca tinha visto tanto dinheiro junto, e nem meu pai naquele estado, eu devia ter 17 anos, ele apontou a arma pra mim e disse “Filha, nunca, nunca se corrompa. Faça o que seu pai não fez, aja de forma certa”. Ele pegou a maleta, fechou-a e sai pela porta... Até hoje espero que ele volte.


 

Lendas.

quarta-feira, novembro 14


Lendas não morrem, é... Nunca morrem. Lendas verdadeiras nunca morrem que seja dita a verdade. Bom, esse sou eu deixando meu sangue secar ao redor desse ferimento, enquanto me arrasto para perto de uma criança caída. Sinto algo em meu rosto, algo molhado... Agora não enxergo de um olho e a criança começa a chorar, não consigo me mexer direito, parte de meu corpo não se move e continuo a não enxergar por um olho.
         Vejo algo rosa passando pelo meu olho direito, algo rosa e cinza ao fundo, a criança foi baleada e começa a jorrar sangue de sua cabeça.
Meu cachorro, posso ver  meu cachorro com meu olho direito e a criança com meu olho esquerdo. Não creio nisso... Estou dormindo e acordado ao mesmo tempo. Estou preso em um sonho enquanto vivo a realidade.
Eis que me surge Lorena, como sempre, tirando o Lobo de cima de mim pela manhã. Enxergo-a com meu olho direito e o esquerdo agora enxerga o asfalto e o cinza do concreto ao redor. Nunca me senti assim.
Levanto-me e vou ao banheiro, jogo água no rosto para ver se muda algo e nada. Continuo preso entre realidade e sonho.

Vou para a cozinha, sento-me à mesa com Lorena e seu filho. Meu olho direito ainda não corresponde à realidade. Sei que estou de olhos bem abertos, pois ninguém comentou nada. Sinto sono, falta de ar, coração quase sem pulso e ainda a criança jorra sangue pela cabeça.

Olho para cima, um homem de uniforme e sua Magnum .44... Qual será a boa notícia do dia? Sento-me no banco do motorista de meu carro, sinto um leve desconforto. Vista turva. Pernas adormecem. Meu pé no acelerador, e continua o pressionando... O velocímetro aponta 140 km/h.

E de repente, tudo apaga. 

Até

sábado, novembro 10

Não nos deixaram sair
Nos marcaram com suas garras
Derrubaram nossos cavalos
Mataram nossos aliados.

Deram-nos uma chance
Uma alternativa
Uma ligação

Derrubaram-nos de nossos cascos
Mataram nossos amados
Deitaram nossas princesas
Esfaquearam nossas estrelas

Metralharam nossos sonhos
Explodiram nossas almas
Queimaram nossas armas
Deixaram-nos sem educação

Deram-nos um fim
Sem iniciação.
Queimaram nossa fé
Mataram nossa ralé
E então,
Se mataram.

Chuva.

quinta-feira, novembro 1

Precipite, ó chuva, dos céus para baixo. 
Deixe que sua boca toque os tão quão frágeis pingos 
Deixe que a chuva toque-lhe a alma.
Deixe os poemas para trás.

Sinta a chuva, deixe-a lavar a alma.
Sinta o toque suave das gotículas de água
Em sua derme, deixe que elas te toquem.
Não esconda-se. 

Vedes quão boa a chuva é?
Sinta-se a vontade
Deixe-a libertar-te
Sinta-se livre.

Esqueça-se de preocupações
Suma do mundo
Deixe o inferno queimar
E o céu precipitar.

Sente-se ao meu lado
Aproveite a chuva.
Abraça-me durante a tempestade.
Beija-me durante o temporal.